sábado, 26 de maio de 2007

Os Remelentos e as Mafaldinhas ?

Estudei em escola classe média suburbana de São Paulo. Moro em uma ilha, dessas milhares que começaram a expandir a cidade, denominados condomínios fechados, em todos os sentidos. Fica aqui no começo da rodovia que liga a capital ao interior, mas não é periferia ainda, senão quem compraria um “sobradinho na perifa!”. A periferia é daqui pra lá. Quer dizer, agora daqui, passando pelo próximo condomínio, então ai fica a periferia, até hoje, que eu saiba.
A tal escola era de um lado, do oposto ficava a municipal, para atender os filhos das domésticas da “tão distante” periferia que trabalhavam diariamente aqui na região.

O “bairro” foi projetado pelo tal grupo “city”, empresa estrangeira (não lembro da onde) que construiu bairros planejados em São Paulo, todos com a mesma característica geral e um detalhe especial para cada um, com referencias a uma cidade do mundo (no caso da minha, Toronto, com direito até a aquelas árvores do Canadá) e geralmente em formato circular, isolando o resto do bairro. No mapa, no registro, CEP e afins, a área toda é definida como cafundó do Judas, mas a estrutura do átomo é definida pela relação entre elétrons e prótons.
Nunca fui um aluno exemplar, não era deixado de lado na educação física, jogava bem futebol, mas como era gordo o cansaço me vencia. Nunca fui popular, mas era o engraçado. Passei por tudo e um pouco mais que os adolescentes caipiras-urbanos-alienados vivem.

Filho único, saia da escola, chegava em casa, almoçava com a minha mãe, pegava um pacote de bolacha e subia para o quarto. Assistia Chaves e Ra Tim Bum. Dizem que quando eu era mais novo eu gostava da Xuxa, vai saber. Até hoje afirmam coisas que não lembro que fiz, nem ao menos as de ontem.
Uma das minhas únicas e maiores companhias no pós escola era o meu avô espanholão, que me acompanhava na frente da televisão.
Não era uma vida diferente das que eu conhecia.

Cinco coisas me chamaram atenção quando eu era criança/adolescente na escola, meu maior convívio com o mundo não tão exterior. A primeira foi quando, na quinta série, um professor foi despedido por ensinar os alunos da sexta série a evitar a AIDS. A escola era católica fervorosa. Outra era o medo que impunham nas crianças sobre as outras crianças da escola municipal- como quase 90% dos alunos da minha escola moravam nas proximidades, muitos iam a pé para casa, e no caminho eram obrigados (inclusive e talvez principalmente eu) a passar pela escola municipal-. A diretoria da minha escola mandou avisos aos pais, alertando os a irem buscar os filhos, mesmo que sua casa seja a duas quadras da escola, ou que se não fosse possível, contratar um serviço de transporte escolar. Todas as mães, claro, ficaram assustadas com os “monstros” que seus filhos poderiam encontrar no caminho, dessa raça da periferia como chamavam. Os mais destemidos rumavam em grupos para suas determinadas casas, tampando com uma bolsa ou blusa o símbolo do colégio. Nunca houve nada, apenas boatos, e isso acabou criando uma rivalidade, antes inexistente, entre as duas escolas. Quem saiu no lucro foi o “tio da perua”, familiar da diretora da escola. As outras três coisas que me chamaram atenção foram as seguintes: existia apenas um negro no colégio, usava black power e vinha da periferia, claro que era excluído. Tornou-se meu melhor amigo da época. Outra era o comentário que ouvíamos sobre uma professora de historia socialista, que na nossa visão precária era vista na verdade como nazista, o que nos causava pavor. E a outra foi que a professora mais conceituada da escola, na época do vestibular, nos aconselhou a dar preferência pelas páginas amarelas da Veja e fazia incessantes comentários sobre o jeito de segurar o garfo do Lula.

Como era de se esperar, todos os meus amiguinhos tiveram o mesmo destino. Menos o do black power que sumiu do mapa, e eu que larguei tudo pelo caminho. Segui os mesmos passos, fui ser arquiteto. O que era eu não sabia, só sabia que meu pai achava bonito e que tinha a piada do “não tão macho para ser engenheiro nem tão viado pra ser decorador”. Uma das faculdades mais caras! Tinha carrinho na mão, e até fiz uns projetos bacanas. Mas o tal mundo acadêmico que eu esperava não estava ali. Plumas. Isso mesmo, plumas! Aqueles corredores eram mais passarelas do que outra coisa. Sempre trabalhei no comércio do meu pai, mas nesse tempo fui trabalhar para uma produtora de filmes pornôs, catalogar os produtos na Internet e cuidar da parte do design dos sites. Durou uns meses.
Não fui para ver mulher pelada todo dia ou ganhar dinheiro, fui para sair um pouco da dependência do meu pai.

Revirei minha vida, larguei a faculdade, o trampo, o trabalho com meu pai, o que praticamente me causou algo digno de “excomunhão” familiar. Troquei os costumes vazios que me faziam mal por um ano de estudos e me dediquei a um trabalho voluntário com crianças, que contarei mais adiante.
Decidi que serei jornalista. Hoje não tenho mais carrinho, madrugo as quatro da manhã e chego em casa meia noite, mas no lugar da vida pomposa eu ganhei respeito. :-)

Esse texto de inicio tinha um objetivo, mas me perdi no meio das palavras. Uma coisa se ligou a outra, não vou reler, não vou corrigir, desabafar em texto e publicar para desconhecidos foi uma boa experiência.

O objetivo desse texto era político, acabou virando pessoal e intimo, na verdade, o ideal para um post de inicio.

Gostaria de mostrar minha opinião sobre a ocupação da USP.
Ia detalhar meu ódio contra a mídia golpista, ia defender os protestantes, ia contar sobre meu ponto de vista de um ex-alienado...

Deixo registrado um abraço para o André Lux e o Eduardo Guimarães (links ao lado), blogueiros que acompanho há um tempo, que me fizeram ver os dois lados da moeda. Me fizeram crescer! E ao Reinaldo Azevedo por me causar o ódio que motivou a escrita desse post, que se perdeu... :-)

Agora vou me atirar nos filmes de sábado, um dos meus programas prediletos...

4 comentários:

Oni Presente disse...

Zé, que emoção ao vir pra cá e me deparar com o seu texto, assim,atingindo de sopetão,o âmago da alma, dilacerante, desconcertante... uma apresentação que dispensa comentários! vou, se me permite, linká-lo no meu blog.

Um grande abraço.

André Lux disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Lux disse...

Obrigado pelo abraço! Não ligue para o que Azevedos, Mainardis, Jabores e afins escrevem, pois eles são muito bem pagos para tanto, caso contrário não o fariam. A ideologia deles é a grana. E só.

Já a nossa luta e a nossa ideologia são diferentes e eles sabem muito bem disso - daí vêm todo esse ódio que sentem, pois nós, mesmo fudidos e mal pagos, somos mil vezes mais felizes que eles, os "com dinheiro"...

Junior disse...

Muito bom o seu texto!
Mas nunca se esqueça de que nossa vida é apenas um amontoado de escolhas... e a que vc fez é mais uma daquelas que a própria sociedade lhe dá.
O importante não está em evitar a massa, mas se ver dentro dela e ter consciência disso.
Enfim, apenas um comentário para somar ao seu bom texto.